sexta-feira, 30 de março de 2012

Introdução à Literatura Grega Antiga

Antes de começar a estudar Homero é necessária uma mínima introdução à literatura grega antiga como um todo. Abaixo estão dadas de forma muito sintética e até esquemática as coordenadas iniciais para uma aproximação à leitura da Ilíada.
 
O Legado Clássico

O Legado Clássico, ou Herança Clássica, que recebemos da Antigüidade Greco-latina poderia ser sintetizado em quatro grandes temas:
1) Os gregos e romanos criaram e aperfeiçoaram os maiores gêneros da literatura ocidental e influenciaram fortemente muitas literaturas posteriores, especialmente a partir do Renascimento;
2) Criaram sistemas políticos e jurídicos que desenvolveram os princípios da justiça, liberdade política e democracia;
3) A filosofia grega é o fundamento do pensamento ocidental; especialmente por meio de Platão e Aristóteles;
4) Suas artes plásticas (pintura, cerâmica, escultura) e arquitetura continuam a atrair a admiração depois de mais de 2.000 anos.

  Fases da Literatura Grega Antiga

As obras da literatura grega antiga são datadas entre o séc. VIII a.C. e o séc. IV d. C., ou seja, aproximadamente 1200 anos de tradição literária ininterrupta. No curso nos concentraremos especificamente no Período arcaico, quando foi composta a Ilíada.
1) Período Arcaico (séc. VIII-VI a.C.)
No período arcaico da história grega surgem dois importantes gêneros literários, que terão continuidade até os dias de hoje, a poesia épica e a poesia lírica.
- A Poesia Épica (séc. VIII a.C): se conservam nela reminiscências que remontam à Guerra de Tróia e à época micênica (séc. XII a.C.). É poesia épica a epopéia homérica, representada nos dois poemas, a Ilíada e Odisséia. Tradicionalmente vinculada a poesia épica está também a Teogonia, de Hesíodo, e seu poema didático, Os Trabalhos e os Dias.
- A Poesia "Lírica" (séc. VII e VI a.C.): Representada por autores como Alceu, Safo, Estesícoro, Alcmano, etc... Surge junto com a filosofia dos pré-socráticos (Tales, Heráclito, Parmênides, Demócrito, etc...). Estas são as primeira obras em prosa, embora alguns filósofos também utilizassem a poesia. A poesia era a única forma de expressão literária.
2) Período Clássico (séc. V-IV a.C.)
Tradicionalmente o período é delimitado por dois acontecimentos marcantes. Se inicia em 480 a.C., com a vitória dos gregos sobre os persas. E finaliza em 338 a.C., com Filipe da Macedônia, o pai de Alexandre, conquistando Atenas.
- séc. V a.C.: O chamado "Século de Péricles", quando Atenas é a mais importante cidade e grande centro cultural da Grécia.
Temos nas letras o desenvolvimento do Teatro (tragédia), com os três grandes autores, Ésquilo, Sófocles, Eurípides, e da História, com Heródoto e Tucídides.
- séc. IV a.C: É quando surge a filosofia de Platão e Aristóteles, a Comédia chega ao seu ápice com Aristófanes e a Oratória ganha destaque com Ésquines e Demóstenes.
3) Período Helenístico (338 a.C - 30 a.C) e Greco-Romano
Se inicia com a hegemonia macedônica sobre a Grécia, devido as conquistas de Alexandre, o Grande. Outros centros de atividade, como Alexandria e Pérgamo, substituem Atenas. Novos gêneros são criados, como a novela. Roma conquista a Grécia e recebe sua influência, que retransmite para o mundo, especialmente nas regiões orientais. Autores como Apolodoro (mitógrafo), Menandro (comediógrafo), Calímaco (poeta lírico), são representativos dessa época. A épica ressurge com Apolônio de Rodes, autor da Argonautica. É nesse período que, primeiro, o Velho Testamento é traduzido do hebraico para o grego e, mais tarde, o Novo Testamento é escrito em grego koiné, um dialeto derivado do grego ático
 
O que caracteriza a literatura grega?

Poderíamos dizer que, de uma forma muito geral, a literatura grega antiga apresenta três grandes características:
CRIATIVIDADE + PARTICULARIDADE + UNIVERSALIDADE
1º) CRIATIVIDADE: uma extraordinária capacidade de invenção, de descoberta, de renovação. Nela se vê surgir muitos gêneros literários novos: lírica, tragédia, comédia, história, filosofia, biografia, novela. Esta capacidade criativa paradoxalmente aparece em uma pequena região, à margem das grandes civilizações, como o Egito e a Pérsia. Por tanto, esta literatura que hoje chamamos de "clássica" não foi nada estável ou imóvel em sua época.
2º) PARTICULARIDADE: uma literatura fortemente ancorada na vida coletiva. O autor é antes de tudo um membro de sua comunidade, e mais tarde, um cidadão de sua cidade, e cria para ela. A vida política está fortemente presente nas obras da literatura grega, e por esse motivo sempre devemos nos ocupar do seu contexto histórico.
3º) UNIVERSALIDADE: a pesar dessa particularidade, a literatura grega antiga apresenta um aspecto mítico, no sentido de tocar em temas fundamentais da existência humana. Sua força simbólica continuou agindo sobre leitores distantes no tempo e no espaço, pois levanta questões que transcendem os limites da sua particularidade. Os mitos gregos tem ligações com experiências e sentimentos pré-históricos e que constituem patrimônio de toda a Humanidade. É uma das portas a este fundo humano e, se não é a única via de acesso a esta experiência ancestral, já que temos as vias da literatura oriental ao seu lado, é a mais bem documentada. Em toda obra grega encontramos questões que transcendem os limites do tempo e do espaço, como Morte/Vida, Família, Sexualidade, Indivíduo/Coletividade, Dor/Prazer, Violência/Paz, etc...
 
O que chegou até nós da literatura grega?

Infelizmente muito pouco, embora esse pouco tenha uma extraordinária qualidade.
Para termos uma idéia de como muitos textos gregos se perderam ao longo desses séculos que nos separam, vejamos o caso de apenas um gênero literário, a tragédia. Chegaram até nós, por diversas fontes, os nomes de 150 autores de tragédias gregos, mas com exceção de alguns raros fragmentos, chegaram até nós obras completas de apenas três: Ésquilo, Sófocles e Eurípides.
Mas isso não é tudo. Mesmo as obras que chegaram destes três autores são apenas uma pequena parte de sua obra completa. Sabemos que Ésquilo escreveu 72 obras teatrais, mas somente chegaram até nós sete. Sófocles, segundo dizem, escreveu 123, das quais conhecemos efetivamente apenas sete. De Eurípides conhecemos apenas 19 do total das 92 atribuídas a ele.
Embora Homero seja o primeiro autor que chegou até nós, certamente havia outros poetas épicos antes dele, dos quais nenhuma obra inteira sobrviveu.

Portanto, realmente nunca teremos uma idéia completa do que foi a literatura grega. O que temos é um pouco como os destroços desse grande e lento naufrágio de uma literatura que se extendeu do séc. VIII a.C. ao séc. IV d.C, ou seja, aproximadamente 1200 anos.
  A importância da literatura grega nos dias de hoje
O contato com essa tradição literária nos ensina que "os seres humanos são apenas parte, embora a mais consciente, da teia da vida". Para os gregos fazemos parte de um todo superior, regido por deuses, que dá sentido a nossa vida.

A aproximação da literatura grega nos ajuda a escapar do perigo de um provincianismo estreito, que ao invés de nos dar uma visão mais clara de nossa realidade, apenas a distorce. Ler os gregos significa fugir desta atualidade que nos impinge um eterno presente, para depois retornarmos com uma nova visão ao nosso próprio tempo. Se parece em certo sentido a viajar até um país estrangeiro exótico. No início nos sentimos um pouco desconfortáveis, talvez até arrependidos de ter viajado até esse lugar estranho, nada familiar, mas depois, com o tempo, nos acostumamos às diferenças e por fim desfrutamos da experiência que enriquecerá um pouco mais a nossa vida..
A Antiguidade Clássica não é simplesmente algo pelo qual alguns seres humanos passaram a muito tempo, mas sim algo que nos permite ver a situação contemporânea sob uma nova perspectiva, mais válida do que a das literaturas provincianas. Aliás, estas por sua vez sempre foram beber nesta fonte. Veja por exemplo a irônia do pequeno poema Dança da Chuva, de Paulo Leminsky

Fonte:

 logosphera

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