A VIDA DO BUDA
O fundador do budismo foi o filho de um rajá, Sidarta Gautama (560-480 a.C.), que viveu no Nordeste da Índia. Sobre sua vida há várias histórias, mais ou menos lendárias, mas os pontos de maior destaque são os seguintes:
O PRÍNCIPE SIDARTA
O príncipe Sidarta cresceu no seio da fortuna e do luxo. O rajá ouvira uma profecia de que seu filho ou se tornaria um poderoso governante ou tomaria o caminho oposto e abandonaria o mundo por completo. Esta última opção aconteceria se lhe fosse permitido testemunhai as carências e o sofrimento do mundo. Para evitar que isso ocorresse, o rajá tentou proteger o filho contra o mundo que ficava além das muralhas do palácio, ao mesmo tempo que o cercava de delícias e diversões. Ainda jovem, Sidarta se casou com sua prima e mantinha também um harém de lindas dançarinas.
Aos 29 anos Sidarta experimentou algo que haveria de ser o ponto crucial de sua vida. Apesar da proibição do pai, ele se arriscou a sair do palácio e viu, pela primeira vez, um velho, um homem doente e um cadáver em decomposição. Entretanto, depois dessas impressões desanimadoras, avistou um asceta com a
expressão radiante de alegria. Percebeu então que uma vida de riqueza e prazer é uma existência vazia e sem sentido. E se perguntou: haverá alguma coisa que transcenda a velhice, a doença e a morte? Sidarta também se sentiu tomado por uma grande compaixão pela humanidade e um chamado para livrá-la do sofrimento. Imerso em pensamentos, voltou ao palácio e na mesma noite renunciou à sua agradável vida de príncipe. Sem se despedir, abandonou esposa e filho, e partiu para uma vida de andarilho.
A LEI DO CARMA
O budismo cresceu dentro do hinduísmo como um caminho individual para a salvação. As duas religiões têm muitos conceitos em comum: as doutrinas do renascimento, do carma e da salvação. Para Buda, um ponto de partida óbvio é que o ser humano é escravizado por uma série de renascimentos. Como todas as ações têm conseqüências, o princípio propulsor por trás do ciclo nascimento-morte-renascimento são os pensamentos do homem, suas palavras e seus atos (carma).
Também nós podemos passar pela experiência de ver que certas coisas que pensamos ou fizemos em determinada época da vida nos afetaram mais tarde. Podemos sentir que nosso passado nos alcançou. É essa mesma idéia que percorre o hinduísmo e o budismo. A diferença é que os orientais vêem essa relação como algo estritamente regulado — e que se estende de uma vida a outra. O tipo de vida em que o indivíduo vai renascer depende de suas ações em vidas anteriores. O homem colhe aquilo que plantou. Não existe "destino cego" nem "divina providência". O resultado flui automaticamente das ações. Portanto, é tão impossível fugir de seu carma quanto escapar de sua própria sombra. Enquanto o ser humano tiver um carma, ele está fadado a renascer.
Embora se possa dizer que a lei do carma possui um certo grau de justiça, ela é vista, no hinduísmo e no budismo, como algo um tanto negativo, algo de que se deve escapar. Assim, a salvação consiste em ser libertado do círculo vicioso dos renascimentos. A eterna série de reencarnações costuma ser comparada a um rio que separa o homem do nirvana. O objetivo do budismo, comum com os outros caminhos indianos para a salvação, é encontrar a "passagem" por onde se pode atravessar para a outra margem.
Buda rompe radicalmente com essa doutrina ao negar que o ser humano tenha alma e ao rejeitar a existência de um espírito universal. De acordo com o budismo, a alma é tão fugaz como tudo o mais neste mundo. O fato de um homem achar que é um "eu", ou uma alma, baseia-se na ignorância, e essa ignorância tem conseqüências graves, uma vez que promove o desejo, e é o desejo que cria o carma do indivíduo.
O budismo vê a vida humana como uma série ininterrupta de processos mentais e físicos que alteram o homem de momento a momento. O bebê não é a mesma pessoa que o adulto, e o adulto não é a mesma pessoa que era ontem. E como as imagens numa tela de cinema: movem-se muito depressa e não conseguimos perceber que o filme é "artificial", que não é algo "vivo". Na realidade, o filme é a soma das imagens individuais ou de uma série de instantes. "De nada mais posso dizer: 'Isto é meu'", ensinava Buda, "e de nada posso dizer: 'Isto sou eu.'" Ambas as coisas são ilusões. Não há um núcleo imutável da personalidade, não existe um "eu", um ego. Tudo é constituído de fatores existenciais impessoais que formam combinações fadadas a decair. Tudo é transitório.
Fonte:
Gaarder, Jostein, 1952- O livro das religiões, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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