sexta-feira, 14 de junho de 2013

Qual é o limite, enfim, para manifestações públicas?


por Sylvio Micelli

Nos últimos dias tem ocorrido uma série de atos pelo País, contra o aumento da tarifa dos ônibus. O epicentro da manifestação tem sido a cidade de São Paulo, o que dá ainda mais amplitude à mobilização do Movimento Passe Livre (MPL).
Os atos são firmes como devem ser e trazem transtornos como sói acontecer às manifestações públicas. Mas que tipo de transtornos mesmo? Ah, sim. Algumas lixeiras queimadas, algumas pichações numa cidade suja que só era limpa num devaneio de um ex-prefeito e o fechamento de ruas que “prejudica” o trânsito, que já não anda dia nenhum mesmo…
Isto foi o suficiente para que campanhas odiosas pela grande mídia e que repercutem nas redes sociais, passassem a tratar os manifestantes como se fossem bandidos da pior espécie, simplesmente porque eles resolveram sair às ruas e agir, algo que digamos de passagem, é incomum ao Brasil, com seu povo pacato e por vezes, até subserviente.
Arnaldo Jabor, por exemplo, um dos grandes barões do “latifúndio midiota”, como diria o querido jornalista Leonardo Severo, afirmou em suas falas dantescas, que a manifestação era feita pela classe média e não pelos trabalhadores que seriam os maiores penalizados pelo aumento.
Ora, Jabor. Poupe-me. Que bom que a classe média saia às ruas para defender a redução da tarifa para todos. Mas não é a classe média que está lá, não. Ou a menos não é só ela. Estão lá os mesmos estudantes de sempre, em sua grande maioria, como sempre estiveram nos anos 40, virando bondes em São Paulo depois de um aumento de tarifa e como sempre lutaram nas décadas subsequentes em prol da democracia. São os mesmos estudantes que lutaram pelo fim da escravidão no Brasil do séc. XIX. São os mesmos estudantes que empunharam a bandeira das “Diretas, Já!” enquanto você, Jabor, andava de braços dados com os militares.
Outros preferem criticar os manifestantes e relembrar, saudosos, dos cara-pintadas no impeachment de Collor que, “de forma ordeira”, expulsaram um presidente do País. Sem desmerecer aquela mobilização importante de 1992, não podemos nos esquecer de que o impeachment de Collor foi orquestrado pela grande mídia, em especial pela revista Veja. Claro que Collor deveria ter sido retirado do poder como foi, mas as mobilizações da época não tiveram como nascedouro o berço da nossa sociedade lutadora. Havia sim muitos outros interesses envolvidos e Collor enfraquecido até por sua arrogância, não conseguiu se segurar no poder.
As manifestações até aqui realizadas são perfeitamente democráticas e a violência está muito mais relacionada à repressão e ao despreparo dos nossos companheiros policiais, pelos quais tenho respeito, mas que não posso chancelar as atitudes tomadas por eles nos últimos dias. Pimenta, vinagre, jornalistas presos, balas de borracha… Tudo virou uma grande salada indigesta.
O contexto das tarifas de ônibus
A primeira coisa que é preciso compreender, é que o transporte público no Brasil é muito caro e muito ruim.
Saiu uma matéria no UOL sobre os valores das passagens de ônibus em diversas cidades do mundo, mas o texto tem imperfeições, além de incompleto.
Explico:
1. Utilizou-se o dólar para unificar a referência, mas trata-se de medida volátil, devido às variações de câmbio na relação dos países;
2. Ao converter-se o euro ou a libra para dólar já há uma natural variação na conversão da moeda. Sendo assim, os países europeus sempre terão os valores mais altos. Isso não significa, porém, que proporcionalmente tenham as maiores tarifas;
3. A matéria, por esquecimento ou desconhecimento, não mencionou que em diversos países, Londres (Reino Unido) por exemplo, paga-se por trecho percorrido e não tarifa cheia, como é o nosso caso. Explico: se aplicássemos a tarifa ponto a ponto como na capital inglesa, ao pegar o metrô da Sé ao Tatuapé, eu pagaria, por exemplo, R$ 1 e não a tarifa cheia;
4. E o mais importante de tudo: precisava ter um referência do valor da passagem em relação ao salário mínimo de cada um dos países. Só sabendo o quanto 100 reais e seus equivalentes nas outras moedas “compram” passagens é que teríamos percentuais mais próximos da realidade. Para isso, uso mais uma vez, o exemplo londrino. O salário mínimo no Reino Unido é cerca de 1200 libras. Com esse valor, compra-se cerca de 450 tarifas de transporte público, reiterando que o número pode ser muito maior, tendo em vista que lá paga-se por trecho percorrido. Pode, portanto, até dobrar a quantidade de viagens. Aqui no Brasil, o salário mínimo vigente é R$ 678, o que dá para pagar pouco mais de 200 tarifas de transporte. Ou seja: temos metade do poder de compra e pagamos o dobro pelo transporte, que é ruim e incipiente. Simples assim, sem rodeios…
Petições pela Internet X Manifestações Públicas
Para encerrar, deixo uma dúvida no ar.
Muitos dos críticos aos manifestantes desses dias, inclusive na mídia, são os mesmos que não acreditam na eficácia das petições online, mas que assinam talvez, para aplacar a dor involuntária de suas consciências.
Por sinal, a Internet é um importantíssimo veículo para divulgar, esclarecer e formar opinião. Mas, sinceramente, assinar uma petiçãozinha online, ainda que seja uma forma colaborativa para discutir temas relevantes, de nada resolve.
Só para relembrar nossa memória fraca, há pouco mais de quatro meses, quando Renan Calheiros foi eleito presidente do Senado Federal, o Brasil “se mobilizou”. Coletou cerca de 2 milhões de assinaturas, imprimiu-as todas para fazer volume no Congresso Nacional. Até Renan disse que também assinaria e o que aconteceu mesmo? Nada! Renan foi inclusive presidente do País por um dia no mês passado para dar um “upgrade” em seu “vastíssimo” currículo. Se dessas 2 milhões de pessoas, 10% tivessem cercado o Senado Federal…
O mesmo aconteceu com Marcos Feliciano, o deputado-pastor homofóbico, racista e que preside, graças a um monstro chamado governabilidade, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, comissão essa responsável por tratar dos temas que o pastor repugna. Muito se falou, chegou até a ocorrer algumas manifestações dentro da Câmara, mas o número foi diminuindo e nada aconteceu.
O site Vírus Planetário, um importante bastião de luta contra a mídia hegemônica, trouxe duas imagens para reflexão sobre a derrubada do Muro de Berlim e da Queda da Bastilha (acima). Não há vitória, sem luta. E não há luta sem enfrentamento. Mestre Bertold Brecht, por exemplo, já ensinou que “do rio que tudo arrasta se diz violento, mas não se diz violentas as margens que o comprimem”.
E eu pergunto: o que vale mais a pena? Assinar uma petição online e ser “antenado” com os “problemas” nacionais e mundiais ou arregaçar as mangas, ainda que isso custe algumas lixeiras queimadas, para arrumar o quintal da sua casa? Prefiro pensar globalmente, mas agir localmente.
E meu finado avô, responderia: “ainda não inventaram uma forma de limpar o chiqueiro, sem entrar lá dentro para tirar a m….”.

Fonte

Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo -http://www.assetj.org.br/

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