quinta-feira, 5 de abril de 2012

A RELIGIÃO GREGA ANTIGA


Resenha de: MIKALSON, J. D. Ancient Greek Religion. Malden: Blackwell, 2005, 228 pp. 

  Jon D. Mikalson, catedrático da Universidade da Virginia, nos Estados Unidos, é
autor do clássico Athenian Popular Religion (1983), renomado estudioso da religiosidade
grega. Este volume pretende ser uma introdução à religião grega, de forma inovadora, ao
enfatizar a integração da tradição literária com as fontes arqueológicas e ao dar ênfase à
práxis quotidiana. Distancia-se, pois, dos modelos normativos, para explorar a imensa
variedade de expressões religiosas gregas antigas. Enfatiza, ao logo de todo o volume,
que a religiosidade grega expressava-se, no dia-a-dia, de formas sempre muito locais e
particulares. Por isso mesmo, opta por descrevê-la em sua diversidade.

  Inicia com os santuários e o culto e com a centralidade do altar e do lugar sagrado
(temenos) e a função do sacerdote (hiereus) e da sacerdotisa (hiereia), que no quotidiano
não se distinguiam das outras pessoas. Examina, também, a terminologia usada para
designar os santuários. Volta-se, em seguida, para os deuses e heróis, cujas histórias
eram de caráter essencialmente local, variando, portanto, muito. Mesmo os doze deuses
olímpicos e pan-helênicos só existiam nos relatos específicos a cada comunidade. Por
isso  mesmo,  descreve  sete  mitos  de  culto  e  cinco  cultos  principais,  com  aporte
substancial da Arqueologia. 

  O  capítulo  dedicado  à  religiosidade  familiar  e  aldeã  mostra  a  importância  do
patriarcado e da preservação da memória familiar. A tumba era de primordial importância,
como lembrança (mneme) e monumento (mnema), assim como os rituais da fertilidade,
como no caso das Dionisíacas rurais. As mulheres, apesar da segregação, exerciam
importantes funções religiosas. Em Atenas, havia cerca de quarenta funções sacerdotais
femininas e, em cultos como o de Esculápio (Asclepius), as mulheres se destacavam em
oferendas e agradecimentos, como atestam muitas inscrições reproduzidas no volume. As
festas religiosas e funerais eram os momentos nos quais as mulheres eram vistas em
                                               
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¹ Professor Titular de História Antiga, DH/IFCH/Unicamp e Coordenador-Associado do Núcleo de Estudos
Estratégicos (NEE/Unicamp),
ppfunari@uol.com.br.

público e Mikalson lembra que ali surgiam os flertes, como se fosse a religião a permitir a
fertilidade. A religião políade também merece destaque, com sua preocupação com a
fertilidade das colheitas, dos animais e dos seres humanos, assim como com a saúde, a
prosperidade econômica, a segurança marítima e com as identidades locais. 

  O  capítulo  dedicado  ao  indivíduo  é  particularmente  original,  ao  tratar  de  um
aspecto menos explorado pelos estudiosos. Ainda aqui, enfatiza como a religiosidade
individual só tinha sentido em sua comunidade local e como os deuses da tragédia – com
os quais temos familiaridade – diferiam das divindades da prática religiosa. Ao voltar-se
para  o  tema  da  morte  e  do  além,  propõe  que  essa  distinção  fosse  muita  marcada.
Enquanto a tradição literária mencionava um certo tipo de sobrevivência após a morte, as
inscrições  efetivamente  encontradas  mostram  que  nada  esperavam.  Os  epitáfios  só
mencionam a permanência da lembrança do morto, não de sua continuidade, de que
forma  fosse.  Reconhece,  contudo,  que  esta  generalização  deve  ser  matizada  pela
existência de cultos de mistérios que, aparentemente, prometiam um além menos vazio.
O volume conclui com um estudo da posteridade helenística, com ênfase nas novas
características da religiosidade, da incorporação de divindades como a sacralização do
poder real. 

  As  principais  contribuições  originais  do  volume  consistem  no  uso  da
documentação  e  no  foco  nas  especificidades.  O  livro  está  salpicado  de  trechos  de
documentos da tradição literária, comentados, complementados por um amplo recurso às
fontes arqueológicas, na forma de inscrições, edifícios, vasos, estatuária, entre outros.
Isto permite ao leitor examinar os argumentos do autor que, de maneira muito apropriada,
alerta que cada uma de suas interpretações já foi contestada por alguém. Esta atitude é
muito salutar, pois, ao mesmo tempo em que apresenta um quadro coerente, alerta para a
inevitável  subjetividade  do  discurso  historiográfico.  Em  seguida,  mas  não  menos
relevante, afasta-se dos modelos normativos, que tendem a homogeneizar a sociedade

grega,  assim  como  estilhaça  o  conceito  de  pertencimento  (belonging).  Articula  seu
discurso  em  torno  da  diversidade  e  da  heterogeneidade,  das  identidades  fluidas  e
contextuais, com pertencimentos múltiplos e mutáveis. A religiosidade grega aparece com
muito mais multifacetada e diversa, assim como os seus praticantes muito mais variados
e inconstantes. Isto se explica, em parte, por seu interesse reiterado pela religiosidade
popular, expressa não só em seu clássico de 1983, como em Honor thy gods: popular

religion in Greek Tragedy, de 1991. A especificidade das manifestações populares já o
havia levado a questionar as interpretações totalizantes, mas foram as discussões da
teoria  social  das  últimas  décadas  a  sedimentar  sua  postura  crítica  aos  modelos
normativos. Por todos estes méritos, deve saudar-se esta obra introdutória de leitura tão
agradável e prazerosa. 


Fonte:

¹Pedro Paulo Abreu Funari

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